Magnífico texto de Ione Buyst, uma grande liturgista, autora de
diversos livros, artigos e textos sobre a Liturgia, este foi publicado na “Liturgia
em Mutirão II” pela CNBB a respeito do tempo do Advento do Ciclo do Natal do
calendário litúrgico. A poesia, a veridicidade com relação ao tempo atual nos
mostra a necessidade de, em nosso dia-a-dia, não apenas no tempo natalino, observarmos mais o que se passa com nossos irmãos e irmãs... seus sofrimentos,
injustiças, violências sofridas...
ADVENTO
VENHA A NÓS O VOSSO REINO!
Ione Buyst
VENHA A NÓS O VOSSO REINO!
Ione Buyst
A história, uma longa caminhada
Nós, cristãos,
consideramos a vida e a história como uma grande caminhada, que só terminará
quando nos encontrarmos todos na casa do Pai, na Cidade de Deus, na "nova
Jerusalém", no Reino definitivo, como Deus prometeu. Por isso, é perigoso
representar o ano litúrgico dentro de um círculo; daria a impressão de que
estamos presos no tempo: todo ano, tudo começaria de novo da estaca zero e
jamais poderíamos esperar grandes mudanças. Muita gente reforça este pensamento
dizendo: "Sempre foi assim! Sempre será assim! Pobre sempre será
pobre!" Mas, tanto a ressurreição de Jesus como o seu nascimento nos ensinam
exatamente o contrário: a força e a presença de Deus no meio da humanidade nos
dão possibilidade de mudar a história, de lutar para melhorar a situação, para
transformá-la em história de salvação, de vida para todos... Nenhum poder deste
mundo, nenhum governo, nenhum grupo poderoso é eterno, por mais que se
apresente assim: todos poderão ser desbancados pelo poder do Reino de Deus que
está crescendo no meio de nós
O Advento de um mundo renovado
O Advento do Reino
de Deus traz em si uma proposta radicalmente nova de relacionamento entre as
pessoas e os grupos humanos; traz em si uma crítica a muitos projetos e
maneiras de se organizar a sociedade e a vida individual de cada um. Vivemos
numa sociedade que só visa o lucro, o poder, a dominação de alguns poucos sobre
todos os outros. A pessoa humana é reduzida a mercadoria. A injustiça se
petrificou nas estruturas sócio-econômicas que a cada dia matam milhares de
seres humanos. Uns têm tudo, outros não têm nem terra, nem trabalho, nem
salário digno, nem casa, nem comida... Viver o Advento significa, portanto,
rever os nossos projetos, avaliá-los à luz da mensagem do Advento do Senhor,
rever o rumo que estamos tomando em nossa vida individual, social e
comunitária.
O Senhor vem para
assumir o governo do mundo e de nossas vidas. Vem realizando a salvação, a cada
dia, a cada momento da história, até que um dia o Reino esteja plenamente
estabelecido. O Senhor vem: cada celebração litúrgica é uma "visita"
do Senhor, dia de sua vinda, principalmente quando celebramos a Eucaristia, a
ceia do Senhor, proclamando sua vitória sobre todas as mortes, "até que
Ele venha".
O tempo litúrgico
do Advento faz-nos viver profundamente este aspecto da presença-ausência do
Reino. Reaviva em nós a esperança de um futuro melhor dentro de um mundo que
parece estar se suicidando. Reanima a nossa coragem: os nossos esforços por uma
vida digna, por uma sociedade fraterna, não serão em vão. Reaviva o nosso amor.
Alguém espera por nós no ponto de chegada e já se faz presente como companheiro
de caminhada: o Senhor Jesus.
"Vem, Senhor Jesus!"
É por isso que a
prece mais característica do tempo do Advento é: "Vem, Senhor
Jesus!", prece bem antiga. (...) Diz Humberto Porto: "Através dela
queriam os primitivos cristãos proclamar a certeza nova de que só pela mediação
do 'Kyrios' (Senhor) glorioso é que temos realmente acesso ao Pai; (...)
expressa a fé e a esperança da reunião de todos os homens [e mulheres] na
unidade, com a transformação do ser humano e do cosmos sob o juízo definitivo
de Deus. Ela envolve a súplica da manifestação universal da glória divina na
realização escatológica da salvação".
Leiam
mais: Ione Buyst, Preparando Advento e Natal, São Paulo, Paulinas, 2002 (Col.
Celebrar).